Baudelaire: o esboço da “deusa da decadência”
A N A L U I Z A SILVA C A M A R A N I
“Vous dotez le ciel de l’art d’on ne sait quel rayon macabre. Vous créez un frisson nouveau” (Praz, 1977, p.142), diz Victor Hugo a respeito da poesia de Baudelaire. Entretanto, este novo estremecimento revelou-se extremamente inquietante para a crítica e o grande público da época, por ocasião da publicação das Flores do Mal, em 1857. São poucas as críticas mais moderadas, entre elas a de Saint-Beuve que se mostra favorável, embora reticente e sem prestar grandes esclarecimentos sobre a nova obra. Os comentários verdadeiramente elucidativos partirão de jovens poetas que lêem Baudelaire com admiração:
(...) je me plonge avec délices dans les chères pages des Fleurs du Mal. Mon Baudelaire à peine ouvert, je suis attiré dans un paysage surprenant qui vit au regard avec l’intensité de ceux que crée le profond opium (Lethève, 1959, p. 154),
escreve Stéphane Mallarmé, em 1865. Mas é Paul Verlaine que, nesse mesmo ano, contribui, no âmbito da crítica literária, com um dos artigos mais compreensíveis até então consagrados a Baudelaire:
La profonde originalité de Charles Baudelaire, c’est à mon sens, de représenter puissamment et essentiellement l’homme moderne (...). Je n’entends ici que l’homme physique moderne, tel que l’ont fait les raffinements d’une civilisation excessive, l’homme moderne avec ses sens aiguisés et vibrants, son esprit douloureusement subtil, son cerveau saturé de tabac, son sang brûlé d’alcool, en un mot, le bilio-nerveux par excellence, comme dirait H. Taine (Lethève, 1959, p. 154-5).
Na verdade, essa representação do homem moderno, produto dos refinamentos de uma civilização excessiva, vem já anunciada na antítese do título Flores do Mal, bem como na dedicatória à Theóphile Gautier (“Au poète impeccable (...) je dédie ces fleurs maladives”), e está intimamente ligada ao conceito de Beleza do poeta que procura établir une théorie rationnelle et