Mário faustino - ao herdeiro de verbo, o pássaro de ferro
Reflexões sobre biografias e arquivos literários
Profa. Dra. Lilia Silvestre Chaves, UFPA
Além ou aquém deste simples limite que chamam finitude, não haveria mal de arquivo sem a ameaça desta pulsão de morte, de destruição. Jacques Derrida
Ilusão biográfica
É muito aquém da morte – este simples limite que chamam finitude – que são construídas as memórias. Desde o nosso nascimento, alguém se preocupa por nós em contruir nossa identidade, escolher para nós um nome, tirar fotos, guardar certidões e documentos. Circuncisões e batizados inscrevem-se no corpo e na alma das crianças como indeléveis impressões de arquivo – pois o ato sacramental, vindo de uma autoridade mais poderosa do que a determinação consciente do sujeito, tem, metaforicamente, a marca de um ato cirúrgico e mais força do que a materialidade de um documento. Depois, a ameaça da destruição, única certeza, torna-se cada vez mais presente na consciência do “eu”. Em desenhos, anotações de agenda, diários íntimos, blogs, sites, em cada bilhete ou palavra, nosso “eu” vai deixando rastros no dia-a-dia, representando seu papel de primeira pessoa, de eixo do seu mundo. Se o melhor retrato de cada um é aquilo que escreve, Mário Faustino, mais do que ninguém, concebeu a vida construindo a sua maneira de ser e de ser visto, como se vivesse em ritmo de (auto)biografia. Existia como se ele fosse o escritor de si mesmo. Sua produção escrita dava consistência à sua vida, apaziguando-a. Talvez a vida seja mais perfeita na linguagem do que na realidade cotidiana, não pela sua sublimação poética, mas pelo testemunho que constitui. Uma espécie de transfusão da vida na linguagem perfeita da poesia:
Vida toda linguagem, vida sempre perfeita, imperfeitos somente os vocábulos mortos com que um homem jovem, nos terraços do inverno,